Só eu sei
O que eu passei
Pra chegar até aqui.
Pra chegar? Aonde?
Rosto bonito, quem vem lá. Carrega um saco de areia e um pilão pra moer semente de mostarda.
Parece que nada faz sentido até sentir.
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Era um dia frio de inverno, porque tudo começa em um dia quente de verão. Quatro da manhã, toca o despertador e ela atende a campainha. “Olá?”
“E aí, já acordou?”
“Acordei agora. Como posso ajudar?”
“É hoje, abre a porta que a sorte chegou.”
Dona Sorti entrou com tudo pela porta. Toda esbelta e elegante, vestia um casaco de pele de morcego e brincos de diamante 8 quilates. Um raio de sol refletia em seu par de orelhas, mostrando que aquela mulher não era qualquer senhora.
“Bon jour mademoiselle, hoje é seu dia de sorte”, disse a velha enquanto levantava os braços e encarava a janela atrás da anfitriã.
Persiene, sem entender nada, serviu-lhe uma xícara de chá e, abismada, permaneceu calada.
Dona Sorti então começou a caminhar pela casa, observando tudo como quem não quer nada. Mexeu aqui, vasculhou ali, abriu todas as gavetas do cômodo até encontrar o bendito documento.
“Aha! Aqui está seu presente!”
A velha então mostrou a Persiene um anel de pedra-sabão que retirara de uma caixinha no fundo do armário da TV. Era pesado, mas o sentimento ao colocá-lo em seus dedos era de leveza e alegria.
“Estava aí o tempo todo?”, perguntou a moça.
“Sim. E não.”, disse a Dona. “O meu presente sempre esteve guardado aqui, mas você nunca iria encontrá-lo pois estava fora do seu campo de visão.”
Sorti então começou a explicar porque Persiene nunca teria enxergado o anel se não tivesse ficado tanto tempo sem ele. Andando de um lado pro outro de forma animada e espalhafatosa, a velha lecionava à jovem quão importante e essencial foi a atitude da moça de assumir responsabilidade.
“O meu papel”, disse ela, “é servir como uma justificativa para aqueles que não tem nenhuma para dar em troca, e presentear aqueles que têm”.
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Era um dia frio de inverno, porque tudo começa em um dia quente de verão. Quatro da manhã, toca o despertador e ela atende a campainha. “Olá?”
“E aí, já acordou?”
“Acordei agora. Como posso ajudar?”
“Senhora, temos uma reclamação no condomínio. Seu cachorro fez suas necessidades no tapete do vizinho novamente.”
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Foto: Sydney, Australia