Sabe essas agências de trabalho em que a gente se inscreve pra trabalhar em eventos aleatórios? Ou eles ficam com os seus dados e te chamam para “trabalhar recolhendo ingresso no show da Adele nesse sábado” ou, pelo aplicativo, você escolhe o dia que está disponível e se aplica pro evento que pagar mais (infelizmente eu sou do tipo que vai pelo que dura menos tempo).
Pá pum. Vai lá, fica pensando “que que eu tô fazendo aqui”, fica se perguntando porque aquele colega de trabalho tá animadão pra servir croquete durante 6 horas nessa feira de agrônomos holandeses, pega dois ônibus e um trem de volta pra casa, e recebe o pagamento duas sexta-feiras depois no valor de 60 euros.
Na época, no dia da Adele meu chefe sacana me recrutou pra trabalhar e não pude ir (alô dois empregos?). Mas aí teve uma vez muito divertida que fui recolher ingresso em um evento super descolado que até hoje não descobri direito o que era, e outro dia fui paga pra passar maionese no sanduíche de uns universitários enquanto minha colega era paga pra botar o picles e a cebola no pão.
E foi a botada de picles e cebola no pão mais marcante que eu já presenciei. Aquilo mudou minha vida. As três horas de contato que eu tive com essa colega foram inspiradoras. Ela me contou que esse era o único trabalho dela, e como ela amava trabalhar ali. Ela só via perfeição em trabalhar das 9h às 16h em pé servindo os alunos e montando o sanduíche que eles pediam. Ela trabalhava ali há anos – porque queria. Ela sorria o tempo -inteiro-, conversava com todo mundo, e até elogiava o cabelo das alunas que comiam por ali.
Outro dia, eu tava pistola servindo croquete para aqueles agrônomos holandeses. Eu sou muito #teamorgânicos e estava ali alimentando aqueles compradores de pesticida, botando comida na mesinha daqueles homens prestes a comprar um novo trator para jogar agrotóxico na lavoura.
“Dank je wel!”. Que mané “obrigada”, irmãoooo
Mas enquanto eu trabalhava na feira de cara amarrada, sem valorizar na verdade o quanto a Holanda tem um trabalho lindo com seus alimentos, minha “chefe” do dia trabalhava felizona. Ela pegava aquela bandeja hiper pesada cheia de croquete como se fosse uma pluma, e andava pela feira se divertindo e rindo com os convidados.
Ela me contou que a vida dela era essa. Ela trabalhava em qualquer tipo de evento, para qualquer agência, sempre na forma de trabalho informal. A carreira dela era se aplicar para eventos aleatórios, marcar presença no dia, e esperar a grana cair na conta no final da semana. Ela tinha 40 anos, e fazia isso há no mínimo 20.
Não é lindo?
Talvez você não tenha captado, mas o post “Cara, cadê meu carro?” fala, na verdade, sobre diferentes formas de se viver. Existem inúmeras formas de se viver.
Eu não sei se é por causa da cultura que eu venho ou o quê, mas eu admito que pra mim é estranho imaginar não ter uma carreira. Ou ter uma carreira diferente da que eu imagino – profissões formais e overrated, mais do mesmo. Mas é tão inspirador viver experiências “aleatórias”, sair da caixa, conhecer novos olhares, novas vidas, novos objetivos.
Mais inspirador ainda é ver as pessoas (realmente) felizes fazendo tarefas que não é todo dia que eu paro para valorizar. E não é como se elas estivessem ali porque precisam. Elas estão ali porque esse é o instrumento delas, porque elas querem. Não é todo mundo que quer ser o Bill Gates com 20 anos de idade ou se hospedar no Conrad toda férias de verão.
Poderia escrever um livro de tanta coisa aleatória que já vivi. Ainda bem. Que eu viva mais infinitas experiências aleatórias, e que me tragam muita sabedoria. Muitas novas vidas, formas de vida. O meu mais sincero obrigada a essas colegas por me serem e me ensinarem tanto.
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Foto: Jurerê – Brasil