Dia 15 de março de 2020. Estávamos há um dia do evento que havíamos preparado nos últimos meses, uma simulação de Comitês da ONU. Em paralelo, a escrita da tese de mestrado e um estágio em um escritório internacional já nomeado pro Prêmio Nobel da Paz.
Murmurinhos. “Será que a gente cancela?” / “Eu acho que não, não vai chegar aqui” / “Cancela sim, é mais garantido”. O dia seguinte amanheceu com uma mensagem da coordenadora dizendo que o evento havia sido cancelado. Adiado, até, sabe-se lá quando.
Primeiro dia de quarentena. Sozinha, em países de distância do meu país. O dia em que o Abre a Janela nasceu, primeiro dia de uma grande mudança. A felicidade em poder descansar, em criar um blog, respirar, acordar mais tarde.
Primeiro dia de quarentena. Primeiro dia do quasi-apocalipse, supermercado lotado, pessoas em frenesi. Estava agora proibido se encontrar com amigos, ficar em parques, correr na rua. A regra então era ficar sozinho.
Foram tempos loucos. No começo, não deu nem pra sentir a quarentena rolando. Dias se resumiam a escrever a tese, fazer o almoço, estagiar, correr, fazer a janta. Inclusive final de semana. A vida em um mundo paralelo e unapocalíptico.
Isolamento social? Foram dois meses de quarentena a sós, longe de qualquer ser vivo. Sozinha, eu tinha 19m² de hectare e uma varandinha inóspita no meio do frio neerlandês. Vivendo um sonho, eu nem enxergava os dias passarem. Não sentia a falta de nada, não queria falar com ninguém. Meu único objetivo era fazer o que eu tinha que fazer e não me deixar chegar a exaustão. Foi quasi-burnout.
Dois meses sem falar com ninguém pessoalmente. Sabe o que é isso?
Uma experiência maluca, uma oportunidade de crescimento e evolução. Não que eu recomenda, mas, se eu fosse médica, prescreveria.
Ter foco deixa a gente anestesiado. Mergulhei em um processo de estudo sobre desenvolvimento pessoal e autoconhecimento, me joguei nas águas do meu oceano sem pressa pra voltar à superfície. Mesmo durante o burnout, o isolamento social trouxe uma paz mental jamais sentida antes. Não me senti sozinha em nenhum momento durante esse período.
Até sentir tudo de uma vez.
Ficar dois meses sem contato humano -nenhum- foi um processo destrutivo e construtivo ao mesmo tempo. Me levou a um estado de autossuficiência que me fez duvidar da necessidade de interação social. Eu me dei uma festa de aniversário em que eu fui a única convidada e foi uma das melhores festas que eu já fui, sério.
Sinto o impacto desse retiro espiritual moderno até hoje, e sei que ainda estou me recuperando. Procurando um equilíbrio entre o meu eu solitário e o meu eu social. Entre o meu impulso instintivo de mergulhar no meu mundo e minha resistência/vontade de sair pro universo social. É tão confortável aqui dentro, sabe. Zona de conforto?
Lembro da primeira vez que me reuni com amigos depois desses dois meses. Foi caótico e um pouco desesperador lidar com tanta energia diferente. De repente, eu não sabia mais estar em um ambiente barulhento e normal. Esse dia foi phoda.
Acho que hoje eu entendo quem resolve se demitir do emprego, jogar a família pro alto e correr pra um monastério nas montanhas do Himalaia. De certa forma, entendo o Aubrey Marcus ter ficado uma semana sozinho em um quarto escuro, ou o McConaughey ter cogitado virar monge.
Cada dose de solitude são 50ml de autoconhecimento. Cuidado para não beber muito, mas uma tacinha de vinho por dia não faz mal a ninguém. Quem consegue tomar a garrafa inteira de uma vez?
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Foto: Normandia, França.