Sinestesia

A vida é um emaranhado de fios energéticos

Ao redor do mundo, Invisíveis a olho nu

Sem velocidade média, distância limítrofe e nem tempo perdido.

Uns chamam de coincidência… outros de sorte, Deus, alinhamento, conexão ou vibração

Apenas uma perfeita resposta do inconsciente Aladim

Sync in

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Sentado no chão, se via ali perdido no meio da escuridão.

Sem crédito no orelhão e segurando um chinelo na mão, Lucio sentia que tinha chego ao fim

Olhou prum lado, pro outro… pensou… onde estara esse tempo todo?

Se pôs de joelho a rezar.

“Pai, orai por nós os pecadores. Resistimos. Complicamos. Por que insisto em me negar?

Se um dia Tu dissestes que nada na vida é por acaso, por quê cazzo questo giorno si fa così troppo caldo?

Porque se Tu estivesse de fato presente no meio de nós, teria hoje soprado minha resposta aos quatro ventos.

Em vez disso, ó Pai, Tu insistes em me fazer pensar. Duvidar, que o céu é azul e que cigarro dá câncer

É verdade, ó Senhor, que fatos são apenas opiniões enviesadas?

De viés já chega a minha mente, que um dia faz frio e no outro tá quente

Que mistura paz com apatia e sincronia com sintonia

Sem perceber que, no fundo, a criação vem pura e simplesmente da sinestesia.

O que me dizes, ó Paíó,

das vezes que pedi orei rezei e sonhei, e tu não me respondeu?

Que me pusestes a crer até ver, sendo que eu só o que eu queria era ver pra crer

Tenho Te visto meio distante, ò Senhor, mesmo te sentindo tão de perto.

Só eu sei o que eu vivi, mas já vi o suficiente pra saber que quando Tu queres Tu se faz presente

Às vezes é essa a graça da vida?

Ou será que a vida é uma grande e alarmante festa na praça?

Festa essa que não se escolhe os convidados

Pelo menos não deliberadamente…

Quem foi que chamou toda essa gente?!

Eu juro, Senhor, que hoje eu não to contente

cont(m)igo

Mas amanhã hei de ficar

Agora que me pus a orar

e estou Te ouvindo cantar

que o que me resta a fazer

é me domandar

as perguntas certas.”

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Foto: Purmamarca, Argentina

Mademoiselle

Sete mulheres encontravam-se na varanda de uma casa branca de madeira. Uma delas disse: “Silêncio, tenho uma coisa a anunciar!”.

Silêncio.

“O que foi?”, perguntou Madame. Madame era feia que só vendo, não sabia cantar e quase nem respirar. Tinha pinta na orelha e cintura de camelo. Mas era filha do pastor da vila – o dono da coisa toda – então era muito cortejada e havia diversos pretendentes correndo atrás de si.

Madame havia nascido prematura. Quando sua mãe deu à luz, não sabia se quem vinha era homem ou mulher, e por isso não sabia nem o nome. O pai queria mulher.

“A partir de hoje, vou virar selvagem!”, respondeu Syrlêi.

“Selvagem como uma noite de super lua.

Vou destruir minhas amarras ao passado, minha pose de boa-moça. Na escola, aprendi com meus pais que é importante ser educada e agradar o moço, usar o guardanapo no colo, cumprimentar quem eu não quero e não ouvir conversa de adulto.

Mas a vida… qual é o sentido? Se não tem nada lá fora, a quem eu estou tentando agradar além de eu mesma?

Será que é educado ser educada, ou será que o educado é falar o que pensa? Ser autêntica. Concordar pra agradar ou concordar em discordar?

Por quê será que nos é (mal) educado que ser educada é o educado?

A partir de hoje, vou virar selvagem.”

Shivete não gostou do que ouviu e achou que a moça tinha ficado é louca. Levantou-se do tapete de palha estendido no chão e pôs-se a gritar:

“Onde já se viu uma moça como você agora querer se rebelar! Tem tudo que deseja, o privilégio de vir de uma origem abastada, comida, água, roupa passada e vinho nos finais de semana até às 20h. Tem gajos que correm atrás e andam de joelhos à Marte para lhe fazer feliz. Ingrata! Ingrata!”

“Ingrata! Ingrata!”, gritou Shivane e Shufiane, enquanto Soymar e Soylar apoiavam a amiga cantando versos de chamamento à Feminidade.

O grupo encontrava-se divido em três mulheres para cada lado da discussão. A única que não havia se manifestado era Madame.

Após uns instantes, a filha do pastor pôs-se a suspirar. Entendia a selvageria de Syrlêi, mas vivia as crenças de Shivete. Em um mundo onde se aprende a ter o externo como referência, viver uma vida conforme nossos credos pessoais é um desafio que só os bravos se poem a encarar.

E encarar novos desafios significa estar disposto a se tornar uma nova pessoa. Romper com o conhecido do passado e se abrir para um futuro incerto, quebrar padrões de comportamento e pensamento e, muitas vezes, frustrar as expectativas sobre nós não-justamente postas por aqueles que nos cercam.

Eu acredito que ser selvagem significa ser mais de si mesmo. Significa não ser quem você está sendo para se tornar quem você realmente é, independente de gênero, idade ou etnia, sendo a intensidade de conexão e consciência que um possua com seu próprio ser o único fator limitante do nível de selvageria a ser vivenciado.

Madame nasceu aprendendo a não falar de boca cheia e sentar de coluna ereta, ir na missa todo domingo e guardar o sábado, em vez de engolir antes de falar e cuidar da postura, ir na missa quando tiver vontade e rezar como achar melhor. A moça se contentava com o mínimo e se sentia na obrigação de estar satisfeita com isso, sentindo a culpa de ser grata mesmo sentindo faltas.

“Ingrata!”, gritou Madame.

“Ingrata eu sou de não aceitar a selvageria que existe em mim e a pulsação que me leva a me tornar mais de eu mesma. Ingrata eu sou de não honrar aquilo que me faz ser única no mundo – a minha essência. Ingrata eu sou de não me agarrar à coragem que me instiga a deixar de ser só um corpo para se tornar um campo elétrico de vibrações, a deixar de ser Madame”.

Por fim, virando-se para Shivete, Shivane e Shufiane, gritou: “Ingratas!”.

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Foto: Ghent, Bélgica.

Piadinha de mau gosto

Rosas são vermelhas, violetas são azuis, hoje eu acordei, puta revoltuis.

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Não é todo dia que se acorda dançando pelo bosque em um dia ensolarado ao som de belos passarinhos, flutuando sob uma brisa leve matinal e com cheiro de café quentinho.

Tem dias que se acorda em um belo dia ensolarado com café quentinho passado, um passarinho ou outro cantando lá fora e uma brisa leve matinal – mas emputecida. Não se quer nem saber de dançar pela casa quem dirá pelo bosque. Parece que há um piano sendo carregado nas costas e não se acha força nem pra levantar o braço e pegar uma xícara sequer.

5 minutos sentado 5 minutos deitado. “Bora trabalhar” se resume à “bora scrollar” que se resume à “bora deitar e vegetar”

Forças obscuras do além fazem o favor de prestar uma visitinha na vizinhança da mente e ficar brincando de batata quente com a gente.

Ou será que a gente brinca de batata quente com nós mesmos?

O fato é que Mario acordou com vontade de socar o armário e sair gritando pela rua como se não houvesse amanhã.

Cansei, diz ele. Cansei dessa palhaçada chamada Mario. O autoboicote é real e ele tá ai, cai mesmo quem não quer.

O que será que dias emputecidos querem nos ensinar? Porque, assim, sabemos que não somos pessoas puta revolts. Em geral, gostamos – e muito – de dançar bosque à fora. Mas em dias como estes parece que nada faz sentido e só o que queremos é jogar tudo pro ar e sair correndo pra se encolher em um banco aleatório na baia de Hobart.

Mas agora, depois de -verdadeiramente- sentir toda essa revolta, eu tenho um palpite: piadinha de mau gosto. Neste caso, uma puta piadinha de mau gosto do universo. Tão grande que consigo imaginar perfeitamente esse cosmos rindo da minha cara, com a barriga doendo de tanto rir e ficando quase sem ar de tanta gargalhada.

“Só pra sentir o gostinho”, diz ele. “Mas ainda não”, conclui.

Puta piadinha de mau gosto, se eu te contar você nem vai acreditar.

Porém entretanto todavia e contudo, depois da tempestade sempre vem a calmaria. Bola pra frente, corre que da próxima vez é pra comer o prato todo em vez de ficar só na vontade.

Corre que lá trás vem gente, mas não esquece de desviar.

Se você, assim como eu, um dia já teve o claro sentimento de que o universo estava pregando uma peça com a sua pessoa e te fez se sentir protagonista de uma grande piadinha de mau gosto, saiba que… é nóis.

Mas saiba também que por traz de toda peça de teatro sempre tem uma narrativa, uma espécie de moral. Tente absorver toda a sabedoria que seu coraçãozinho aguentar, e aceite o fato de que o universo tem sim o poder de te colocar na posição de batata dentro do joguinho do quente. No fundo, é só uma didática alternativa de nos fazer maiores ainda e nos levar ao próximo nível de joguinho com mais, digamos assim… classe.

Mais experientes.

Não, não tente se vingar da jornada nem de ninguém a sua volta. Essa não é a mensagem. Assim, desatrelado ao sentimento de vingança, a mensagem que fica é:

um dia da caça, e outro do caçador.

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Foto: Estocolmo, Suécia.

Esconde-Esconde

Sentimentos escondidos,

Hoje eu me peguei pensando sobre sentimentos escondidos. Aqueles que moram nas profundezas do coração, nas águas mais turbulentas e difíceis de navegar.

É lá que ficam as memórias, sentimentos, e emoções que não quero pensar. Nem sentir, nem me emocionar. No dia-a-dia eu não sinto, nem choro, nem rio. Apenas esqueço e tento não lembrar.

Sentimentos escondidos. Como o tempo é relativo?

Dois flamingos caminhavam no deserto em busca de água. Depois da ninhada, o bando iniciou sua jornada em direção ao lago para alimentar seus filhotes. No meio do caminho, dois flamingos se conheceram. Um percebeu o outro no meio da multidão, e seus olhares se cruzaram. Foi o que bastou. Mil sentimentos floresceram

História turbulenta. Final feliz? E o tempo levou…

E o tempo passou. Sentimentos escondidos, de onde vem e porque se escondem? É proteção? Indiferença? Escrevi mil cartas e nenhuma delas me trouxe uma resposta,

Ah, essas emoções que se escondem. Eu daria tudo pra ter um momento de conversa e entender o que elas tem a dizer. Iria eu gostar? Me decepcionar? Ter a certeza que é o que parece ser?

Vamos dançar enquanto é tempo.

Tempo… será que dá tempo? Falta quanto tempo?

Se é que um dia vou ter um momento de conversa com o tempo. O que ele quer me dizer?

Já sei a resposta mas não quero ouvir. Vou fingir que é outra coisa e curtir o sentimento que essa imaginação me traz

Se não tenho vou fingir que tem

Sentimentos escondidos? Quais dos seus apareceram?

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Foto: Céu de Kalibo, Filipinas

Dois meses em solitária

Dia 15 de março de 2020. Estávamos há um dia do evento que havíamos preparado nos últimos meses, uma simulação de Comitês da ONU. Em paralelo, a escrita da tese de mestrado e um estágio em um escritório internacional já nomeado pro Prêmio Nobel da Paz.

Murmurinhos. “Será que a gente cancela?” / “Eu acho que não, não vai chegar aqui” / “Cancela sim, é mais garantido”. O dia seguinte amanheceu com uma mensagem da coordenadora dizendo que o evento havia sido cancelado. Adiado, até, sabe-se lá quando.

Primeiro dia de quarentena. Sozinha, em países de distância do meu país. O dia em que o Abre a Janela nasceu, primeiro dia de uma grande mudança. A felicidade em poder descansar, em criar um blog, respirar, acordar mais tarde.

Primeiro dia de quarentena. Primeiro dia do quasi-apocalipse, supermercado lotado, pessoas em frenesi. Estava agora proibido se encontrar com amigos, ficar em parques, correr na rua. A regra então era ficar sozinho.

Foram tempos loucos. No começo, não deu nem pra sentir a quarentena rolando. Dias se resumiam a escrever a tese, fazer o almoço, estagiar, correr, fazer a janta. Inclusive final de semana. A vida em um mundo paralelo e unapocalíptico.

Isolamento social? Foram dois meses de quarentena a sós, longe de qualquer ser vivo. Sozinha, eu tinha 19m² de hectare e uma varandinha inóspita no meio do frio neerlandês. Vivendo um sonho, eu nem enxergava os dias passarem. Não sentia a falta de nada, não queria falar com ninguém. Meu único objetivo era fazer o que eu tinha que fazer e não me deixar chegar a exaustão. Foi quasi-burnout.

Dois meses sem falar com ninguém pessoalmente. Sabe o que é isso?

Uma experiência maluca, uma oportunidade de crescimento e evolução. Não que eu recomenda, mas, se eu fosse médica, prescreveria.

Ter foco deixa a gente anestesiado. Mergulhei em um processo de estudo sobre desenvolvimento pessoal e autoconhecimento, me joguei nas águas do meu oceano sem pressa pra voltar à superfície. Mesmo durante o burnout, o isolamento social trouxe uma paz mental jamais sentida antes. Não me senti sozinha em nenhum momento durante esse período.

Até sentir tudo de uma vez.

Ficar dois meses sem contato humano -nenhum- foi um processo destrutivo e construtivo ao mesmo tempo. Me levou a um estado de autossuficiência que me fez duvidar da necessidade de interação social. Eu me dei uma festa de aniversário em que eu fui a única convidada e foi uma das melhores festas que eu já fui, sério.

Sinto o impacto desse retiro espiritual moderno até hoje, e sei que ainda estou me recuperando. Procurando um equilíbrio entre o meu eu solitário e o meu eu social. Entre o meu impulso instintivo de mergulhar no meu mundo e minha resistência/vontade de sair pro universo social. É tão confortável aqui dentro, sabe. Zona de conforto?

Lembro da primeira vez que me reuni com amigos depois desses dois meses. Foi caótico e um pouco desesperador lidar com tanta energia diferente. De repente, eu não sabia mais estar em um ambiente barulhento e normal. Esse dia foi phoda.

Acho que hoje eu entendo quem resolve se demitir do emprego, jogar a família pro alto e correr pra um monastério nas montanhas do Himalaia. De certa forma, entendo o Aubrey Marcus ter ficado uma semana sozinho em um quarto escuro, ou o McConaughey ter cogitado virar monge.

Cada dose de solitude são 50ml de autoconhecimento. Cuidado para não beber muito, mas uma tacinha de vinho por dia não faz mal a ninguém. Quem consegue tomar a garrafa inteira de uma vez?

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Foto: Normandia, França.

“E aí semente, já nasceu?”

Era uma vez uma jardineira.

Quando criança, Shirley, a futura jardineira, não gostava de plantas. De flor, mais especificamente. De acordo com ela, flores eram objetos sem valor. Dar flor de presente para alguém, então, só mostrava o quanto a pessoa não gostava tanto assim da outra – um presente fácil e que, na verdade, não queria dizer nada.

Ela não admitia, mas para ela, flores eram tão maravilhosamente surreais e perfeitas, que acabavam se tornando feias e banais. Sabe aquela pessoa que você olha e pensa “Meu Deus, essa pessoa é tão linda e sem defeitos que fica até feia e sem graça”? Então.

A vida foi passando e Shirley virou adulta. Por puro e simples prazer de comer, e preguiça de ter que ir no supermercado comprar salsinha para depois de dois dias ela morrer de frio no fundo da geladeira, Shirley resolveu ter uma hortinha em casa. Comprou um vasinho de manjericão, botou na varanda, e lá deixou.

Mas Shirley tinha pena de comer o manjericão. Ele era tão cheiroso! “E se eu tiver botando muita água? E se eu comer tudo e ele não crescer mais?”. Pobre e ingênua Shirley.

O primeiro vasinho morreu de frio. O outro de sede. O terceiro de causas naturais, vulgo falta de sol.

Shirley cansou de matar seu manjericão e resolveu pesquisar mais sobre plantas. Algo dentro dela se conectou com o basilico e começou a enxergá-lo não só como um um alimento, mas como uma espécie de filhote, que precisava de cuidados para viver uma vida saudável.

A vida tem tanta sincronia que fez Shirley se tornar mãe de plantas na mesma época que ela se tornou mãe de si mesma. Deixe-me explicar.

Shirley criou uma horta a partir de sementes de diferentes plantas. Regou com carinho, cuidou delas e as esperou brotarem do chão. A maioria demorou meses pra nascer, outras brotaram rápido mas não deram frutos, e uma outra, que ela tanto ansiava, teve sua terra invadida por uma planta vizinha e não teve espaço pra nascer. Frustrada, Shirley até tentou plantar amor-perfeito algumas muitas vezes, mas a semente não deu nem sinal vida em nenhuma.

Porém, algumas sementes brotaram e se tornaram mudas exuberantes. De ficar parado admirando, quão lindo aquilo se tornou.

Porque a vida é assim. É uma crença pessoal, mas, na minha opinião, tudo que eu faço, por menor ou maior que seja, estou plantando uma semente. Que pode não dar fruto, que pode ser um fruto de uma semente plantada no passado, que pode ameaçar crescer mas não ir pra frente, que pode ser ofuscada por uma semente vizinha que eu nem sabia que tinha plantado, ou pode nunca nascer. Mas é uma semente que estou plantando.

Só isso já daria uma semana inteira de reflexão. Às vezes, a semente que eu plantei pode até nem ser pra mim, mas para benefício de alguém próximo. Outras vezes alguém pode plantar, sem saber, uma semente pra mim, ao fazer algo que me inspira. É muito pano pra pouca manga.

Plantando, nossa personagem super fictícia Shirley passou a entender o quão incrível é esse processo de ver suas sementes, filhas do seu próprio esforço, brotarem do chão. Quando se tem consciência desse processo, viver se torna muito mais leve. Fica mais fácil entender que sementes levam um tempo pra nascer, depois pra se tornarem mudas, e mais ainda pra dar frutos. Que morrer faz parte do ciclo, e que depois é só plantar de novo.

Hoje consigo esperar cada etapa com tranquilidade.

Além disso, se tem uma coisa que eu aprendi esse ano foi ouvir o que a natureza tem pra me falar. Ela é realmente um espelho da vida, e uma fonte de sabedoria infinita.

E eu vi isso na prática, com meus próprios olhos, dentro da minha própria casa. Esses tempos, comprei uma muda de taioba que era bem baixinha, e coloquei ela na sala. Percebi que estava precisando de luz, porque as folhas estavam ficando amareladas. Então, coloquei ela embaixo da janela do escritório.

A janela era mais alta que a planta, mas proporcionava uma boa claridade. Você, leitor, acredita se eu disser que as folhas da taioba criaram um mecanismo de adaptação e cresceram até a altura da janela? A folha amarelada que ela já tinha morreu, e uma nova nasceu, um pouco mais alta que a última. Essa também morreu, e uma nova nasceu, com o caule mais alto ainda. Esse ciclo foi acontecendo até ela chegar-à-altura-da-janela, e depois parou de morrer.

Isso não é simplesmente tão incrível? (!!!!!)

Mais que incrível, me ensinou uma lição valiosa. Se, para se adaptar, uma planta morre e renasce algumas vezes, até conseguir o que quer, porque eu não posso fazer isso também? Não só posso, como devo! Deixar uma versão nossa antiga morrer e nos tornarmos alguém melhor é um ciclo natural, que deve ser repetido até o fim dos tempos. Até eu conseguir o que eu quero, até eu me tornar quem eu quero ser, até eu chegar lá e descobrir um novo lugar que eu quero chegar.

Eu -juro- que a natureza fala. E ela me disse pra não ficar ansiosa e parar de ir conferir todos os dias se minhas sementes já brotaram. Ela me disse para ter paciência e continuar plantando várias sementes todos os dias. Disse ainda que cada uma tem o seu próprio tempo de crescimento, e que, pelo menos uma delas, vai nascer e dar frutos maravilhosos.

Amém

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Foto: Praia do Campeche, Florianópolis.

Vitimice

Não é que eu estou estou me fazendo de vítima, eu só acho que é injusto isso ter acontecido.

Porque, sabe, não é que as coisas não saem como eu quero, mas seria muito melhor se fosse assim do que assado. Não entendo porque isso aconteceu, parece que eu só atraio problema nessa vida.

As coisas sempre dão certo com todo mundo. O fulano tá ganhando dinheiro, a ciclana tá feliz no trabalho, a fulana se mudou pra Nova Iorque, mas eu, não. Parece que sou a única pessoa no mundo que não consegue viver em paz e ser feliz. Que saco!

Antes parecia tudo mais fácil, não é mesmo? As coisas iam acontecendo, e fluindo… Por que será?

Começo dizendo que é por causa do padrão de vítima. Viver em estado de vitimice é viver achando que tudo lá fora é o culpado do problema, e que o “mundo” vive contra nós. É botar a culpa lá fora, ficar procurando um alguém para apontar o dedo, e mudar de humor com base no que acontece ao redor.

Há uns dois anos, aprendi que a “a saída é pra dentro”. Entendi dentro como sendo (literalmente) dentro de mim, do meu ser, da minha alma, da minha mente. Enquanto que fora é o mundo fora de mim. Aquilo que não está dentro do meu ser, ou seja, o mundo físico, visual, genético, epigenético…

A vítima, ela depende dos acontecimentos lá fora. Ela fica feliz se algo de bom acontece, e fica triste se algo de ruim aparece. Ela sai daqui de dentro, se desconecta da alma – que é só bem-estar – e permanece apoiada pra fora da janela.

Sem perceber que, até certo ponto, ela mesma é responsável por criar as coisas lá fora, a partir do que vem aqui de dentro.

Sem entrar no conceito do 100% de responsabilidade, que é só pros fortes de coração, eu chuto com precisão que a resposta se encontra no padrão de vítima. Que tudo depende de como eu escolho ver/viver a vida: sendo uma vítima à mercê do que cai no meu colo, ou escolhendo, de antemão, como eu quero me sentir daqui pra frente, e projetando um futuro feliz pra mim.

É como se fosse aquela pessoa que reclama que não tem ovo em casa, mas não sai pra comprar uma caixa. Que não gosta do que faz, mas trabalha no banco há 10 anos. Que sabe que o/a parceiro/a não é bom, mas o/a ama demais pra deixá-lo e ser mais feliz que aquilo. Que tá sem dinheiro, mas tem medo de arriscar algo novo. Que…

Basicamente, que prefere continuar no conforto do desconforto, do que buscar o desconforto de um futuro conforto. E que, claro, tem argumento pra cada um desses tais desconfortos.

Estamos todos no mesmo barco. A sociedade que nos condiciona e nos educa para crescermos achando que é normal/legal agir em estado de vítima (que nem essa frase)

Mas, meu amigo, deixa eu te contar uma coisa. Quando a gente sai do vitimismo, uma coisa mais legal que a outra acontece. Abre-se espaço para a imaginação e para a chegada de coisas incríveis & maravilhosas & sensacionais. Já posso até sentir. A alma tem voz pra cantar e, com nossa estabilidade emocional no saldo positivo, trazer mais e muitas positividades. É o tal do good vibes only

E pra sair do estado de vítima, basta se perguntar: qual a lição que isso quer me ensinar? O que devo aprender com isso? Depois, é só seguir em frente.

Já ouviu a palavra do #goodvibesonly hoje? Bora olhar pra dentro e se comparar consigo mesmo! Nada de olhar pro lado, nem de se apoiar pra fora da janela. Bora se limpar do padrão de vítima e começar a assumir as devidas responsabilidades.

Como já diziam os antigos: a vida é bela, nóis que fode ela.

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Foto: Gordon’s Bay, Sydney – Australia

Entrou o vento suli

Alma livre, leve e solta, feliz e curtindo a vida. Sem apegos, sem amarras. Evoluindo de uma aventura para a outra. Eu que decido a direção do meu barco, mas deixo o vento me guiar e adaptar a minha rota. Até o destino final.

Resiliência. Wanderlust? Não existe destino final, a gente nunca vai chegar “lá”. Toda vez que eu chego em algum lugar, descubro um lugar novo que eu quero chegar. Como eu disse, não tenho tempo pra viver a mesma vida durante uma vida toda. Sem tempo, irmão!

É aquela coisa: o tempo perguntou pro tempo qual é o tempo que o tempo tem. O tempo respondeu pro tempo, que não tem tempo pra dizer pro tempo, que o tempo que o tempo tem, é o tempo que o tempo não tem.

Se nem o tempo tem tempo, como que EU vou ter tempo?

A única coisa que eu sei que eu tenho, é tempo para respirar.

A passagem de um ciclo para o outro se chama vazio. E o vazio nada mais é que a ausência de matéria. No vazio só tem ar (eu acho, se não for cientificamente correto, entra na metáfora). E como viver uma vida sem ar pra respirar?

Mas o vazio é louco porque ele claramente indica o fim/início de um novo ciclo. E, principalmente para quem não está consciente disso, dói.

Dói pra todo mundo essas mudanças de plano radicais, mas acho que ainda mais para quem tá dormindo no ponto. Vai tomar um susto quando acordar.

Estar consciente durante o vazio, só respirando, não-tem-preço. É um momento de pura gratidão. Gratidão pelo que passou, pelo que está passando, e pelo que ainda irá passar – Passar -. Já dizia Nx Zero: na vida tudo passa, não importa o que tu faça.

Mudanças de plano inesperadas nada mais são do que adaptações de rota. E elas vão se adaptando de acordo com o que o vento mandar. Talvez aquela sempre fosse a rota, mas se hoje o vento tá mais forte, vai ter que adaptar mais cedo que o planejado.

Se for o vento sul então, corre que em cinco dias o caminho já mudou pro outro lado. Ele continua na mesma direção, mas o trajeto já é outro. É o tal do vento suli, mô kiridu, esse fax côza.

E que bom. Que bom que ele faz coisa. Que bom que ele dá esse empurrãozinho. Vem limpando tudo que tem que ser limpo, e trazendo novos ares, novos olhares, novas aventuras!

De mochila nas costas, vou andando pela vida.

Eu que decido a direção do meu barco, e eu me adapto conforme o vento. Durante o trajeto, vou parando para apreciar a paisagem, explorar ilhas desertas, sentir novos sabores. Refletir, me sentir, me recarregar.

E partir pra próxima!

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Foto: Utrecht – The Netherlands

O social distancing é bom.

“Sim sim, já estou indo. Só vou acabar aqui essa cerveja e já vou embora.”

“Mas já?”

“Sabe o que que é, tem gente me esperando. Tenho outras vidas pra passear e outros ensinamentos pra compartilhar.”

“Ah, então tá. Obrigada pela visita. Foi muito bom estar com você durante esse tempo. Aprendi bastante, mas agora a gente já é diferente. Fique à vontade pra voltar se quiser, senão te acompanho de longe. “

O social distancing é bom, ele existe desde sempre, e nunca vai deixar de existir. E ele não tem -nada- a ver com isolamento social ou internet.

Sabe quando, a gente fala com alguém, e a gente sente? A gente só sente, a pessoa indo embora, a amizade se afastando, as coisas mudando. A gente sente que já não é mais o que foi. Eu sei, sempre muda, mas já não é mais o que era antes.

Esse momento é louco. Diversas pessoas passam pela vida da gente. Diversas pessoas, passam, pela vida da gente. Mas elas passam mesmo, de deixar de estar presente. Elas continuam ali, vivendo a vida delas, mas não fazem mais parte da nossa.

Esse momento é louco. Pra mim dói. Sempre doeu. Lembro de absolutamente todas as pessoas que passaram pela minha vida, e tenho um carinho bizarro por todas elas. Ele acha que eu não lembro dele, ela pensa que eu esqueci quem ela foi. Esqueci, não.

João falou pra Maria que falou pra Pedro que Pedro é o melhor amigo de João. João e Pedro são muito amigos, quase irmãos. Viajam juntos, conhecem a família – e os problemas – um do outro, parece que são amigos desde sempre. Que bom é ter João, disse Pedro.

Pedro entrou na faculdade. Mudou de colégio, começou natação, conheceu Magali. Pedro continuou ali. Mas João cortou o cabelo, se apaixonou por Maria, começou aula de canto e se mudou pra outro bairro. João continua ali. Se esforçando. Os dois. Vamos marcar algo na sexta. Sexta não dá, tem que ser quinta. Quinta vou cortar a unha, tem que ser segunda.

Semana que vem, então. Em novembro. Eu vi ele ontem!

É inevitável. Pedro ama João e aprendeu muito com ele. Tudo que eles viveram foi bom e tá guardado no coração. Mas Lucas tá chegando e João tem que dar licença. Pedro tem que aprender coisas novas, João tem que ensinar outros a jogar futebol. João tem que aprender mais sobre a vida, Pedro tem que ensinar Carlos sobre economia.

É inevitável. É o fluxo natural da vida. Um dá lugar pro outro, um preenche o lugar do outro. Hoje, eu sou quem eu sou, porque tantas pessoas passaram pela minha vida. Gratidão eterna por cada um. Mas espero que tantas outras também passem. Decidi que, em vez de lutar contra, vou aceitar. Receber, agradecer, e deixar ir.

A vida inteira, muitas despedidas foram um luto pra mim. Doeu. Internamente, mas doeu. Mas o social distancing é bom, porque ele é um feedback externo de uma mudança interna. Eu to mudando, ele tá mudando. Ninguém pra melhor ou pra pior, são só mudanças.

Agora eu vou pra lá, ela pra cá, e a vida é uma dança. Quem sabe a gente dance junto de novo! Quem sabe tem outros que dancem melhor que eu! Que gostem de samba, ou que prefiram axé. Hoje eu tô na roda de pagode, amanhã é dia de baile funk. Quem vai dançar comigo hoje?

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Foto: Boracay Island – The Philippines

Trava-língua

E de repente eu travei. Tava tudo indo tão bem, e aí eu travei. Eu estava animada, encantada, apaixonada. E não é por ele não, moço, é por mim sim. Mas aí eu parei e não consegui mais continuar.

Estava tudo indo tão bem, e aí eu travei. Cansei, sentei no muro e lá me deixei. Tem vezes que a gente começa algo e depois não consegue mais continuar, né? Por quê?

A ideia de voar com os pássaros me parece tão bem. Mês passado eu decidi tentar. Por que não? Peguei minha escadinha de madeira, corri lá pro sertão e pedi pro Seu Gavião me ensinar a voar. Ele me disse: “Olha, vai ser difícil. Antes de tudo, você vai ter que realmente querer voar.” Eu falei que isso não era problema, porque eu queria mesmo. Quem não quer esbarrar com um avião enquanto vai no supermercado fazer a comprinha da semana?

Ele disse: “Então tá bem. O primeiro passo pra voar é acreditar na possibilidade do voo. Sente-se aqui e fique duas horas conversando com seus pensamentos, e escute o que eles têm a dizer”.

Mas que absurdo! Eu peguei minha escadinha de madeira, corri lá pro sertão, pedi pro Seu Gavião me ensinar a voar e ele me manda ficar sentada encarando meus pensamentos? Eu quero logo é sair voando por aí!

De cara emburrada, sentei. Logo já me dei de cara com o Sr. Medo, que naquele dia estava trabalhando de porteiro pro hotel em que eu tinha feito uma reserva. “Você vai passar a noite aqui?”, disse ele. Eu acenei com a cabeça, e, sem sucesso, tentei fugir da conversa. Mas ele é insistente, e ficou umas duas horas ali trocando uma ideia comigo.

Sabe, eu fui pegando gosto pela coisa. Aquele senhor de testa franzida e barba grisalha a princípio não me agradava – nenhum pouco – mas sua insistência me obrigou a ficar ali parada ouvindo o que ele tinha pra me dizer. E até que acabei gostando da conversa. Sabe o que ele me disse? Que seu nome era Medo porque sua mãe, Coragem, havia o abandonado quando era criança, e seu pai, Persistência, estava tão abatido com a falta de Coragem que resolveu descontar no pobre garoto. E depois fugiu. Uma tragédia!

Mas estava tudo indo tão bem, que decidi aprender a voar. Seu Gavião me disse então que o segundo passo agora era treinar o voo, e persistir. “Ser mestre no básico”, disse ele.

Mas que absurdo! Eu peguei minha escadinha de madeira, corri lá pro sertão, pedi pro Seu Gavião me ensinar a voar, ele me mandou ficar encarando meus pensamentos, conversei com o Sr. Medo, e agora ele me manda treinar e me tornar mestre no básico? E persistir? E se me faltar coragem? Quem vai cuidar do medo?

Estava tudo indo tão bem, e aí eu travei. Estava animada, encantada, apaixonada pela ideia de voar com os pássaros. Mas comecei. E aí percebi que ia levar um tempo até eu esbarrar com um avião no meio do caminho pro supermercado no dia de fazer a comprinha da semana. E aí me apoiei nesse muro pra amarrar meu cadarço e por aqui fiquei.

Ei! Quer saber? Eu acho que a culpa é do Seu Gavião! Ele que não sabe ensinar! Gavião nem voa direito! Se eu resolvi voar, tenho que ter aula de voo, oras bolas. Que mané história de ser mestre no básico. O básico serve pra que?

Eu vou tentar de novo. Vou pegar minha escadinha de madeira, correr pra direção oposta do sertão e pedir pro Seu Avestruz me ensinar a voar. Esse sim vai me dar aulas de voo! O Sr. Medo que converse sozinho. Será que algum dia Persistência vai voltar e perdoar a falta de Coragem?

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Foto: Nazaré – Portugal